No Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho, uma mobilização nacional ganha destaque: os povos indígenas, convocados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), unem-se em protesto contra o Marco Temporal. O ano de 1972 marcou um importante passo para a conscientização ecológica na marcha ambientalista através da Conferência de Estocolmo, responsável por criar o Dia Mundial do Meio Ambiente. Entretanto, essa data que deveria ser de celebração se tornou palco de uma luta travada no Brasil, que iniciou 2023 decretando estado de emergência no maior território indígena do país.
Apesar do impacto da crise humanitária do povo Yanomami, que até hoje sofre as consequências da fome e malária em seu território devido às práticas ilegais de exploração, o assunto é encerrado silenciosamente, como tem ocorrido repetidas vezes.
Por 283 votos contra 155, o texto do PL490/2007 que institui a tese do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas foi aprovado pela Câmara no fim de maio, no entanto, essa tese jurídica está em disputa há mais de 10 anos. Diante do cenário desfavorável para os povos originários, a retomada da tese do Marco Temporal traz novos limites para o artigo 231 da Constituição de 1988, que reconhece a esses povos o direito de posse das terras que ocupam, bem como o aproveitamento das riquezas do solo, rios e lagos. Atualmente, a Fundação Nacional do Índio (Funai) é responsável pela demarcação das terras indígenas, utilizando critérios legais na análise dos territórios, porém, se o projeto virar lei, a última palavra sobre as demarcações estará sobre o poder absoluto do legislativo.
Além disso, o Marco Temporal estabelece que o direito sobre as terras indígenas se limitará àqueles que ocupassem o território no marco do dia 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da mais recente Constituição Federal. Isto é, todas as terras desocupadas ou ocupadas por outras pessoas nesta data não podem ser demarcadas como indígenas, portanto, esses territórios passam a ser considerados propriedades privadas ou do Estado, com exceção aos casos que comprovem legalmente haver disputas físicas ou judiciais pela terra.
Assim, todos os povos que foram expulsos de seus territórios ou tiveram que deixá-los por ameaça de extermínio têm o direito de reivindicar sua terra ancestral negado.
A situação alarmante enfrentada pelos povos originários despertou resistência, isso porque os territórios ameaçados não só afetam a situação indígena, mas também dizem respeito a conservação da biodiversidade brasileira, uma vez que a construção de rodovias, o garimpo e o setor agroindustrial em terras ancestrais causam impactos ambientais irreversíveis. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e Apib, 29% do entorno das Terras Indígenas está desmatado, enquanto dentro dessas áreas o desmatamento é de apenas 2%.
Para o advogado indígena, Mauricio Terena, o Marco Temporal é um litígio climático. “O marco temporal não vai afetar só os povos indígenas brasileiros. Porque, quando a gente está falando de terras indígenas, está falando de territórios que possuem uma biodiversidade muito mais preservada. Esse julgamento tem implicações na emergência climática”, alerta Terena.
O Brasil é terra indígena
“Em relação ao Marco Temporal, ele é uma máquina de moer história… ele acaba com a história, muda toda a história. Porque de 5 de outubro de 88 pra trás não há mais história, e sim a partir daquele dia”, é assim que Marcos Sabaru, assessor político da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), descreve a tese do Marco Temporal.
Segundo a teoria do indigenato, desenvolvida por João Mendes Junior, os direitos dos povos originários são anteriores a qualquer título de posse. No entanto, a exigência de que os indígenas comprovem sua existência em seus próprios territórios é uma estratégia que visa distorcer a verdade e silenciar uma história que começou antes mesmo do Brasil. Essa abordagem viola os princípios estabelecidos pela Constituição de 1988, que acerca das terras indígenas se comprometeu a “demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (art. 231).
O Brasil, uma nação profundamente marcada pela herança indígena, está diante de uma questão crucial para a semana do meio ambiente: a proteção e garantia dos direitos dos povos originários sobre suas terras ancestrais.
Esther Soares é capixaba, colaboradora do Green Nation, graduanda em Comunicação Social na Universidade Federal do Espírito Santo, e apaixonada por contar histórias. Linkedin