A permissiva política de agrotóxicos no Brasil

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ODS - ONU

O Brasil é o 2° maior consumidor de agrotóxicos proibidos na Europa, enquanto  as principais empresas dessa indústria são europeias. A política brasileira, muito mais permissiva em relação a esses insumos, torna o país o mercado perfeito para o veneno. Campanhas contra o uso de agrotóxico tentam chamar a atenção para o ônus dessa situação.

Em abril, a agência de notícias The Intercept Brasil publicou uma matéria denunciando que a Syngenta, considerada uma das maiores indústrias de agrotóxicos do mundo, sabia há décadas dos riscos do paraquate, pesticida responsável pela morte de 100 mil pessoas. Segundo a notícia,Ex-cientista da Syngenta diz que seus avisos sobre o paraquate não foram adiante por uma ‘conspiração dentro da empresa para manter isso em segredo’.́ ́ Os esforços da companhia para esconder a letalidade do paraquate estariam ligados aos lucros do produto, que seriam afetados caso a fórmula do agrotóxico tivesse que passar por mudanças. 

Na União Europeia, o uso de herbicidas à base de paraquate é proibido desde 2007. Na Suíça, país sede da Syngenta, a substância não é permitida desde 1989. A exportação desse pesticida, no entanto, só foi proibida na Suíça em outubro de 2020, quando o Conselho Federal suíço passou a proibir o comércio internacional do paraquate e de outros quatro agrotóxicos: atrazina, diafentiurom, metidationa e profenofós. 

A decisão do Conselho foi anunciada um mês após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), decidir proibir a produção, importação, comercialização e utilização do paraquate no Brasil. A Anvisa já havia comunicado essa decisão em 2017, após uma série de estudos associarem o paraquate ao desenvolvimento de Parkinson e câncer. Devido a pressão dos setores agrícolas brasileiros, incluindo o Ministério da Agricultura, a Anvisa adiou a proibição para setembro de 2020, tendo três anos de transição. 

Em 2019, porém, o paraquate ainda era o 6° agrotóxico mais vendido no Brasil. Conforme apuração da Repórter Brasil e da Agência Pública, a resolução da Anvisa não estabeleceu metas de redução de uso, nem de finalização de estoques e importação do paraquate até sua completa suspensão. Sem esse procedimento, o ritmo de importação do agrotóxico passou a aumentar, o que construiu um estoque do produto no Brasil. “O ideal é que, iniciado o processo de banimento, seja proibida a importação”, afirma o pesquisador da Fiocruz, Luiz Cláudio Meirelles. 

Em outubro de 2020, um mês após a suspensão entrar em vigor, a Anvisa voltou atrás e liberou o uso do estoque de paraquate nas safras 2020/2021, acatando a solicitação feita pelo Ministério da Agricultura. Essa foi mais uma vitória da força tarefa criada pelos defensores do paraquate, que formaram um lobby, já em 2017, para lutar contra a sua proibição. A formação de forças tarefas para defender o uso de agrotóxicos no país não é incomum. Geralmente, esses lobbies contam com o apoio das empresas fabricantes e das associações brasileiras do agronegócio, como a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja). 

O novo prazo para a utilização do paraquate varia de acordo com um calendário, tendo datas diferentes dependendo da região e da cultura, mas o período mais longo permite o uso do agroquímico até agosto de 2021. “Esse é um agrotóxico de ação secante, seca e queima as folhas, faz o mesmo com a pele, as mucosas, o pulmão”, afirma a médica Lilimar Mori, sobre o paraquate.

O dicloreto de paraquate não é o único agrotóxico proibido na Europa, mas permitido no Brasil. Um levantamento da Associação Brasileira da Reforma Agrária (ABRA), apontou que cerca de 44% dos insumos químicos usados no Brasil não podem ser usados na Europa, mesmo que muitos deles sejam produzidos por empresas europeias, como a suíça Syngenta e as alemãs Bayer e Basf, que juntas controlam 54,7% de toda a produção de agrotóxicos no mundo. 

A maior parte dos insumos que partem da Europa para o Brasil e outros países em desenvolvimento, como a África do Sul e a Índia, são classificados como altamente perigosos pelos padrões impostos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), pois são potencialmente tóxicos para o sistema reprodutivo, podem causar alterações no DNA, serem cancerígenos ou fatais para abelhas e outros polinizadores. Além disso, a ONU relata que cerca de 200 mil pessoas morrem por intoxicação aguda de agrotóxicos todo ano, sendo que 90% dos óbitos ocorrem em países em desenvolvimento.

O herbicida atrazina, quarto agroquímico mais utilizado no Brasil, é um exemplo de agrotóxico considerado altamente perigoso. Assim como o fipronil, inseticida vendido pela Basf e banido da União Europeia em 2017, após contaminar milhões de ovos na Bélgica e na Holanda. No Brasil, o fipronil é usado em plantações de soja, algodão, batata e milho, mesmo tendo sido acusado de matar 500 milhões de abelhas em 2018, ano em que foram usados 1,6 mil toneladas do pesticida nas plantações brasileiras. O carbendazim, vendido pela Bayer, também se enquadra como altamente perigoso. Apesar de ser amplamente utilizado em território brasileiro, está fora de circulação na Europa desde 2016, pois é acusado de causar defeitos genéticos, prejudicar a fertilidade e contaminar corpos d’água. Em 2019, chegou a ser reavaliado pela Anvisa, mas esse é um longo processo. 

Só em 2018, foram 449 agrotóxicos aprovados no Brasil, em 2019 esse número subiu para 474 e, em 2020, 493. “Quando se fala em agrotóxico, estamos indo na contramão”, destaca a coordenadora da Campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace, Marina Lacorte. Como alternativa ao uso de agroquímicos e ao modelo do agronegócio, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida luta a favor de uma agricultura agroecológica que, segundo a campanha, “é capaz de produzir alimentos de qualidade e em quantidade suficiente para alimentar a população mundial”. 

Essa produção agroecológica está diretamente ligada à agricultura familiar que, segundo o Censo Agropecuário, já é responsável por 65% do abastecimento interno de alimentos no Brasil, mesmo que ocupem apenas 23% da área destinada à agricultura, enquanto que, de acordo com o Dossiê Crítico da Soja, o crescimento do agronegócio tem provocado a estagnação da produção de alimentos. Isso se deve ao fato de que o agronegócio produz para exportar, tanto que suas principais culturas são soja, milho e algodão, coincidentemente as que mais sofrem adição de agrotóxicos no país. Em contrapartida, a agricultura familiar produz para o consumo interno, principalmente mandioca, milho, arroz e trigo, fazendo uso de técnicas milenares de cultivo que, na maioria das vezes, exclui o uso de agrotóxicos e outros químicos.

Maria Vitória de Moura é matogrossense, colaboradora do Green Nation, graduanda em Relações Internacionais na Universidade Federal da Integração Latino-Americana e apaixonada pela escrita em todas as suas formas. LinkedIn

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