“Mudança climática não é o futuro, é preciso agir agora”, diz Ana Toni, do ITS

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ODS - ONU

As mudanças climáticas já deixaram de ser uma projeção para o futuro: seus sintomas já estão ocorrendo em todo o planeta. No Brasil, as enchentes no Rio de Janeiro e no Sul do país, secas prolongadas. E por isso o cumprimento da Agenda 2030 da ONU é tão urgente. Para entender esses desafios, conversamos com Ana Toni, atualmente diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade e do  GIP – Gestão de Interesse Público. Duas organizações cujo propósito é desenvolver soluções junto com organizações civis, empresas e poder público para a “transição de uma economia mais justa, próspera e de baixo carbono”. Economista e doutora em Ciência Política, Ana também foi presidente de Conselho do Greenpeace Internacional. Nessa entrevista para o  Green Nation, ela faz uma análise sobre as políticas ambientais dos governos Trump e Bolsonaro, fala sobre energia limpa, educação ambiental e explica por que é otimista nessa batalha por um mundo mais sustentável.

Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade

Green Nation – Desde o período de campanha eleitoral, e depois de empossado, as declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre o fim de reservas indígenas, abertura da mineração na Amazônia e saída do Acordo de Paris tem gerado muitos debates. Especialmente na imprensa internacional que tem denunciado o perigo dessas ações. Como observa as diretrizes desse governa na área de meio ambiente?

AT – O ataque começou com o presidente americano Donald Trump, não resta dúvida. A indústria dos combustíveis fósseis ia reagir a essa mudança climática, é um último grito. É uma sobrevida dessa indústria, porque eles mesmo sabem que já estão no cartão vermelho, mas querem tirar todo lucro possível até a última gota. Existe uma campanha bem financiada pelo segmento do combustível fóssil para o negacionismo da mudança climática. Existe uma campanha orquestrada de fake News contra os movimentos ambientalistas e a urgência de se combater a mudança climática. Ao mesmo tempo, fala-se sobre o Acordo de Paris. Embora Trump se coloque contra, o fato é que, os estados, as cidades e as empresas estão tomando para si essa responsabilidade. Um movimento intitulado “We still in”. Estão dentro da agenda 2030, apesar de governos como os de Trump e Bolsonaro.

Green Nation – Porque existe mais sensibilidade desses setores que estão no “We still in”?

Ana Toni – É óbvio que o clima está mudando, as evidências estão por todos os lados. Isso não é mais um debate do futuro, é agora. E quem tem que lidar com as consequências são os prefeitos, os agricultores, são eles que estão na ponta, sofrendo enchentes, secas, afetando a lavoura, a população e ele é o responsável direto. A ponta está recebendo os efeitos.

GN – Mas a bancada ruralista no Congresso, é a favor do desmatamento.

AT – Mas a banca ruralista não representa todos os agricultores. Os agricultores sérios sabem da importância da regulamentação da chuva e que o desmatamento afeta profundamente o clima. A maioria compreende essa relação entre chuva e desmatamento.  A bancada ruralista que está no Congresso representa outro segmento: o dos grileiros. Eles querem terra, pela terra. São ladrões, bandidos. É uma minoria, mas que tem muito poder. Flávio Bolsonaro representa esse setor, dizendo-se contra as reservas legais. O agricultor sério está preocupado com a mudança climática.

GNEsse “último grito” da indústria do combustível fóssil também seria porque o mercado de energia limpa tem aumentado? A exemplo da eólica e do solar?

AT – Sim! Chamo a atenção especialmente para a eólica, que cresce exponencialmente. Só no Brasil, ela já representa 12% da energia produzida no país. Há 15 ou 20 anos, sequer existia. A energia solar já está bombando no mundo. Mas infelizmente, embora esteja crescendo 40% ao ano Brasil, até o momento isso representa 1%. Infelizmente não desenvolvemos tecnologia própria,  dependemos de exportação e ainda é muito cara. Precisamos de fomento e destravar a burocracia para o desenvolvimento do setor. Uma pena, em um país tropical como o nosso, um dos maiores do mundo. Mas chegou para ficar e deve crescer rapidamente. E um dos motivos do crescimento da energia limpa, como eólica, solar e biomassa, é porque empresas e municípios querem autonomia energética, querem a descentralização de um sistema único.  Muitas empresas de agrobusiness já estão produzindo energia a partir da biomassa ou energia solar.

Foto: Portal Radar

GN – Nesse grande desafio que é a mudança de comportamento, como a senhora avalia a  educação ambiental no Brasil?

AT – Estamos atrasados milhares de anos, mas existem boas exceções. O sistema educacional no Brasil é muito fechado, com uma grade curricular sem flexibilidade, que pouco permite inovações. Mas nós temos professores e diretores que são verdadeiros heróis, que conseguem trazer esses novos temas, apesar dessa estrutura. Esses heróis trazem feedbacks incríveis quando trabalham educação ambiental, porque as crianças amam a natureza, os animais, eles gostam desse deslocamento da escola. É um universo que eles se identificam.

Mudança climática, por exemplo, é um tema que pode ser discutido em aulas de Geografia, Biologia, em qualquer disciplina. Então nesse sentido, a educação ambiental ainda é muito frágil.

Não por acaso existe um ataque à Educação, ao Paulo Freire, que criou o construtivismo, cuja proposta era o aprendizado a partir do que está ao seu redor. É a mesma matriz . Por isso a educação ambiental no Brasil ainda está muito atrasada, uma pena, com um país tão rico em biodiversidade.

GN – Qual o papel das redes sociais nessa disputa? O ativismo de sofá faz diferença?

AT – Sim, faz diferença. E é muito importante porque nós estamos perdendo essa batalha. Se alguém colocar “mudança climática” no Google hoje, o primeiro artigo é de um cientista negacionista. E isso é uma campanha financiada. Esse movimento de terraplanistas, isso surgiu do nada, mas cresceu com o fake News.

GN – Cidades como Rio, São Paulo, estão vivendo o boom dos patinetes, das e-bikes, inclusive com regulamentação, preocupações com a segurança. Isso é positivo?

AT – Essa é uma ótima notícia, o crescimento da micromobilidade. O interessante nesse fenômeno interessante é a briga pelo espaço, entre pedestres e esses recursos. Ou seja, é preciso mais espaço para pedestres, ciclistas e usuários de patinetes e tomar o espaço do automóvel para essa coexistência.  O inimigo comum é o espaço do carro. A briga é o espaço para nós.

GN – O Green Nation é um momento que cria uma relação muito forte com todos que participam de seus eventos, mas especialmente com jovens. Qual o papel das novas gerações com a sustentabilidade?

A ativista sueca Greta Thunberg

AT – O papel da juventude é fundamental nessa luta, ela está colocando a geração anterior na parede para enfrentar as mudanças climáticas. É o caso da estudante sueca, Greta Thunberg, e tantas outras na Europa. Aqui no Brasil é mais fraco, porque a juventude brasileira ainda tem muitas outras lutas, pela Educação, pelo emprego, contra o racismo. Mas muitas coisas estão acontecendo. Sou otimista. A questão da mudança climática não tem mais tempo. Gosto de mencionar os índios mundurucus: eles não possuem uma palavra para futuro. E não é por acaso. Eles acreditam que falar do futuro é uma forma de tirar a responsabilidade do presente para as futuras gerações. Não temos um minuto a perder. Precisamos ter mais ambição, correr para frente. Resistir, resistir e resistir.

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