Cerrado Infinito religa paulistanos aos “Campos de Piratininga”
Tudo começou em 2012, quando o artista Daniel Caballero
estava fazendo uma pesquisa em terrenos baldios para a exposição “Viagem
pitoresca através do espaço da minha casa”. E foi nesse estudo em espaço áridos
e abandonados que ele passou a ter contato com o cerrado paulista, paisagem
vegetal praticamente extinta no desenvolvimento de São Paulo. Uma vegetação (hoje)
ruderal – do latim ruderis, significa literalmente entulho, e designa comunidades
vegetais adaptadas para se desenvolver em ambientes fortemente alterados e
perturbados pela ação humana, explica em seu site.
Pois é, engana-se quem pensa que era tudo Mata Atlântica na pauliceia
dos jesuítas. Metade era cerrado, “de Santo Amaro até a Zona Norte” explica
Daniel. “Não por acaso, eram os chamados os “São Paulo dos Campos de
Piratininga”, assim Santo André da Borda do Campo, São Bernardo da Borda do
Campo.” E esse encontro entre o artista e uma vegetação que teima sobreviver
apesar da destruição/desenvolvimento urbano, gerou o projeto Cerrado Infinito.
Trazer à memória dos paulistanos suas raízes, reconstituindo
uma história da cidade pouco explorada na opinião de Daniel. Plantar, restituir
foi um dos passos projeto. No bairro da Pompéia, Zona Oeste, onde nasceu, escolheu
a Praça da Nascente. E ali, junto com o que acabou se formando a Comunidade
Cerrado Infinito”, com ambientalistas, artistas contemporâneos de diversas
áreas, moradores, enxadas nas mãos e mudas colhidas nos terrenos baldios da
cidade, se refez um pedacinho do cerrado.
“As primeiras espécies foram orelhas de onça, Araçás,
carquejas, lantanas e capins rabo de burro, que eu conhecia de pessoas mais antigas falarem e terem em seus jardins de vovôs, “velhinhos de
bairro”, brinca.
Com trilhas “infinitas”
que vão a lugar algum, mas desaceleram o passo dos paulistanos e convidam à
contemplação. Desenhista, Daniel também fez placas com ilustrações das plantas
e suas denominações científicas. Um “artivismo” como gosta de conceituar o
artista.
Cerrado Infinito também virou um livro, “Guia de campo dos
Campos de Pitatininga ou que sobrou do cerrado paulistano ou como fazer seu
próprio Cerrado Infinito”, grande assim mesmo o título. São 180 páginas com histórias
pessoais e 50 belíssimas ilustrações em preto e branco de espécies vegetais do
cerrado, um registro botânico.
“O cerrado sempre foi associado a uma área improdutiva. Nas
últimas décadas falamos de reflorestamento sempre com uma imagem de Mata Atlântica
ou da Amazônia. O cerrado é um desconhecido para maioria das pessoas, pela
importância do seu bioma. No centro oeste está sendo destruído pelo
agronegócio, envenenado com agrotóxicos, acabando com a biodiversidade. Imprescindível
para a reserva de água”, chama a atenção o artista.
Junto com a comunidade do cerrado infinito, começaram um
novo projeto em uma escola pública na Zona Leste de São Paulo, região de
Itaquera, jardim das Camélias. Foram dois anos de contato com alunos, artistas,
novamente enxadas e mudas nas mãos. “Foi um momento muito especial e até hoje
muitos jovens entram em contato lembrando de como foi uma experiência marcante
para eles reconstituir um pedaço de cerrado na escola”, diz Daniel.
Infelizmente, depois de umas férias escolares, simplesmente cortaram todo o
jardim. A explicação da direção da escola foi o desconhecimento do novo
jardineiro. Sem recursos da escola u de qualquer outra fonte, Daniel lamenta
que o projeto tenha acabado.
Mas na Praça da nascente, o Cerrado Infinito continua. Periodicamente
são organizadas programações com apresentações de artistas, leituras, dança
contemporânea a céu aberto, reunindo moradores do local e simpatizantes de toda
parte da cidade. O evento sempre termina com um bate papo sobre o cerrado e
plantio de mais mudas.
Apesar de todo o empenho, Daniel não se diz otimista com a
questão ambiental, mas sente que sua arte, sua atividade como ambientalista,
ainda que seja um pequeno gesto, é importante como resistência. “Nós somos
artistas ruderais, que assim como as plantas do cerrado nos entulhos de São Paulo,
sobrevivemos nas brechas para fazer arte. Sem financiamento, sem recursos, mas
resistindo. ”