“Amazônia e Clima, nossa prioridade”, diz Samyra Crespo

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ODS - ONU

Em 1976, no Brasil só havia a Secretaria Nacional de Meio Ambiente. Em 1991, contávamos com cerca de 40 ONG´s no Norte/Nordeste e 400 em todo país. Depois da Eco 92, primeiro evento global dedicado ao meio ambiente, o país passou a ter um Ministério do Meio Ambiente. Hoje, 100% dos estados e municípios possuem um órgão de meio ambiente”. Esse é o balanço que Samyra Crespo, cientista social, ambientalista e pesquisadora senior do Museu de Astronomia e Ciências Afins, fez durante o Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental (CBJA), realizado em São Paulo, nos últimos dias 9 e 10 de agosto (2019). “Construímos algo gigante, uma rede imensa de entidades, órgãos fiscalizadores, ICMBio, Ibama e esse foi um esforço enorme que o país fez nas últimas décadas”, disse. Samyra Crespo concedeu entrevista exclusiva ao Green Nation para falar sobre o cenário atual que vivemos no Brasil.

Samyra Crespo começou sua carreira de ambienlista profissionalmente em 1990, com a pesquisa Nacional “O que o Brasileiro Pensa da Ecologia”.

Green Nation – Durante o VII Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, a senhora disse que a Amazônia e o clima deveriam ser as prioridades dos ambientalistas a nível nacional. Por que?

Samyra Crespo – Esse é um governo hostil ao ambientalismo. A agenda ambiental vem sendo atacada em todas as frentes: pelo institucional, pelos órgãos de fiscalização e pela opinião pública, onde o governo disputa uma narrativa dizendo que o Brasil é “um dos países que mais preserva o meio ambiente”, quando isso não é verdadeiro. O presidente Bolsonaro e o chanceler Emanuel Araújo argumentam em suas viagens pelo mundo que a questão do clima não é importante, quando todo o mundo está em vias de declarar emergência climática. 

Os ambientalistas no Brasil possuem uma agenda diversificada: tem gente trabalhando com água, outros com conservação, cidade sustentável, estilos de vida, entre outros temas. Minha proposta durante o CBJA foi unificar os ambientalistas em torno de uma pauta nacional pela Amazônia e pelo Clima, dada a gravidade do que está ocorrendo.

GNPor que Amazônia e o Clima seriam catalizadores para mobilizar dentro e fora do país?

SC – Criamos um grande arcabouço institucional nas últimas décadas como o ICMBio, o Ibama e diversas instituições para monitorar florestas. De certa forma, embalamos dois sonhos: o primeiro, que a Amazônia estava monitorada, e o segundo, que apresentaríamos alternativas sustentáveis para a região. De repente o governo não só começa a desacreditar essas instituições, como autoriza em suas falas os grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais. Diante dessa gravidade é que eu fiz uma convocação pela Amazônia, o maior patrimônio ambiental brasileiro, que tem uma importância continental e mundial.

GN – Em sua última pesquisa da série “O que pensam os brasileiros sobre meio ambiente?”, a senhora mostra que a consciência ambiental aumentou. Mas enquanto indivíduos, as pessoas não se sentem responsáveis em suas ações para reduzir o aquecimento global. Como engajar para essa nova atitude?

SC – Acredito que exista um problema de comunicação, de linguagem, na forma como são abordados os problemas ambientais. Um erro político. Porque eles são apresentados com uma tal magnitude, com uma complexidade científica, que os indivíduos se sentem impotentes para mudar alguma coisa. Se a mudança climática é apresentada como um fenômeno irreversível, as pessoas se perguntam, “o que posso fazer diante disso?” Para criar esse engajamento no plano pessoal, precisamos fazer um trabalho urgente de comunicação: uma ponte entre as ações cotidianas e como elas se conectam aos graves problemas ambientais. A maneira como nós consumimos é uma delas, por exemplo.

 GN – Muitas pessoas duvidam que ações individuais podem de fato causas impacto. Você pode dar exemplos?

SC – Costumo dizer nas minhas palestras: somos 7,6 bilhões de pessoas no planeta. Se nós praticarmos pequenas ações predatórias, elas se tornam, pela escala, em grandes ações predatórias. Mas também pode acontecer o contrário: com pequenas ações positivas, pequenas soluções, podemos transformar em grandes soluções. Precisamos divulgar a importância de deixar o carro em casa uma vez por semana, gastar menos água, escolher onde comprar seu alimento, mostrar que tudo isso é bom para o meio ambiente. Não adianta propor mudanças radicais.

GN – Por que?

Consumir menos carne colabora com a redução do gases do efeito estufa

SC – Mudanças de hábitos radicais levam tempo para acontecer. Ninguém vira vegano ou vegetariano de repente. Especialmente em um país onde o churrasco é sagrado (risos). Mas você pode comer menos carne. Isso é bom para saúde e para o meio ambiente. São pequenas ações que ganham impacto em escala. É possível se engajar dessa forma. Precisamos dar exemplos, quantificar esse impacto positivo. O discurso não convence tanto, mas os exemplos, sim.

GN – Como a senhora avalia o tratamento que a grande mídia tem dado às questões ambientais?

SC – A mídia de certa forma, tem sido catastrofista ao abordar a mudança climática. Além disso, é governamental, basicamente comunica o que os governos fazem, existe pouca interlocução com a sociedade. Não adianta apenas mostrar opiniões de especialistas: é preciso dar exemplos práticos do que as pessoas podem fazer individualmente. Seja no seu condomínio, na sua comunidade, no bairro ou na cidade. Eu acho que dessa forma poderemos engajar os indivíduos.

GN – As empresas têm se engajado?

Existem empresas e empresas. Algumas muito sérias e outras que fazem green wash (maquiagem verde). Nesse momento, em que as autoridades brasileiras estão fazendo um desmonte da agenda ambiental, desacreditando as instituições, empresas que, com muita má vontade cumpriam ações para atingir a conformidade ambiental, vão desacelerar ainda mais seus processos. Inclusive porque a recessão econômica torna-se mais um álibi.

E também existem muitas empresas sérias e elas são nossas aliadas. É preciso rever o discurso de que, se é capitalista, é ruim. Até porque nós não temos uma alternativa ao capitalismo nesse momento. Nos países socialistas as coisas também não vão bem, as liberdades democráticas estão sendo sacrificadas. Então o que podemos pensar nesse momento é em uma capitalismo verde, consciente, inteligente nessa transição. Precisamos bater menos no modo de produção e chamar mais a responsabilidade das empresas com quem podemos fazer alianças.

GN – Apesar dos discursos negacionistas do presidente Trump, do presidente Bolsonaro, existem iniciativas por parte de empresas, estados e municípios para reduzir o aquecimento global?

SC – Com certeza. Tenho dois bons exemplos. No Estado de Santa Catarina a Assembleia Legislativa acaba de aprovar uma lei estadual que proíbe a exploração de xisto. No âmbito municipal, embora o presidente Bolsonaro tenha se recusado a realizar a COP25 no Brasil, o prefeito de Salvador vai realizar o Climate Week, a Semana do Clima da América Latina e Caribe, uma reunião que antecede as COPs, na capital baiana. Tenho visto várias iniciativas de estados e municípios, que continuam monitorando suas pegadas de emissão.

Infelizmente vivemos uma crise econômica muito forte que impede que estados e municípios realizem mais iniciativas. No Brasil o pacto federativo é imperfeito. Na Constituição de 1988 estavam previstos vários dispositivos para descentralizar o poder, dando mais autonomia a estados e municípios, mas ainda não foram efetivados. Passaram uma série de atribuições aos estados e os municípios, mas não passaram os meios para que elas aconteçam.

GN – Como pesquisadora e ambientalista há tantos anos, já passamos por mudanças de terminologia para as questões ambientais: de ecologia para sustentabilidade, ambientalismo… Estamos vivendo um novo momento? Por uma cidadania planetária?

SC – Não podemos fazer previsões nesse sentido, porque todo conceito tem um efeito político e outras vezes ele ganha uma densidade sociológica. Você pode criar uma nomenclatura, mas para ganhar uma densidade sociológica, ela precisa de acontecimentos históricos que a legitimem. Por exemplo, o movimento ecológico surgiu antes da sustentabilidade, logo depois do pós guerra, que teve muita força nos anos 60. A palavra sustentabilidade aparece no domínio da ecologia, como disciplina científica, para nomear um fenômeno dentro da ecologia animal e vegetal. Nos anos 80 foi feita uma tradução desse conceito para uma aplicação junto à sociedade. Isso é uma construção histórica. O que uniu os movimentos ecológico e a sustentabilista é o que chamamos hoje de ambientalismo.

GN – Algum recado para ambientalistas nesse momento tão difícil?

SC – Sim! A ideologia do brasileiro nesse momento deve ser: floresta em pé, ar limpo, água boa e comida sem veneno.

(NR: Com projeções para 153 cidades, incluindo dez no Brasil, Rede de Pesquisas em Mudanças Climáticas Urbanas (UCCRN, na sigla em inglês), um consórcio internacional que conecta pesquisadores de aproximadamente 150 cidades espalhadas pelo planeta, aponta que as temperaturas podem subir de 1,7°C a 5°C até 2080, enquanto o nível do mar nas áreas costeiras deve aumentar de 21 cm a 118 cm.)

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